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Um mundo por vez



No pequeno lugar onde eu cresci, não havia moradores de rua. (Também não havia escada rolante, livraria, disque-pizza, ortodontista, cinema, prédios e outras coisas da cidade grande.) Quando cheguei em São Paulo, esta foi a primeira coisa que me impressionou: a quantidade de adultos e crianças dormindo nas calçadas, vagando pelas ruas, pedindo dinheiro.

A segunda foi como essas pessoas eram ignoradas. Lembro-me de ter visto, chocada, um homem pulando sobre outro caído no chão, como se ele fosse uma poça inconveniente que sujaria seus sapatos. E de ter prometido para minha filha: nós nunca seremos assim. Nós vamos enxergar. Nós vamos parar e ajudar.

Eu ainda não sabia como a gente se acostuma. Até então, tinha a sorte de ter vivido em lugares menos desiguais e era ignorante de muitos outros problemas do mundo. Nos meus primeiros dias, cumpri a promessa: não desviei os olhos, parei todos as vezes, ajudei quando pediram. Mas não tinha muito o que dar. No fim da semana, o dinheiro tinha acabado, e as pessoas precisando de ajuda, nem de longe.

É assim que as boas intenções morrem. Você sente que simplesmente não adianta. Que, por mais que cave, nunca será o suficiente para tapar o buraco. Você se culpa por não dar mais e por ter uma vida melhor. Ao mesmo tempo, tem raiva desse problema que não criou, nunca quis e que, provavelmente, deveria ser responsabilidade de outra pessoa resolver.

E aos poucos a gente se anestesia. Ou, como outros preferem pensar: o sofrimento vai deixando a gente menos sensível, como os pés que criam casca grossa de andar descalço. Na prática, começamos a fingir que não vimos, a dizer que hoje estamos sem trocado, a atravessar a rua se tem alguém na calçada. 

Ou, aplicando a mesma lógica a outras causas: quantos de nós desistimos de brigar por um bom serviço público qualquer – e preferimos nos garantir com plano de saúde, escola particular? Testemunhamos todos os dias gente quebrando as regras, furando a fila, burlando a lei, tirando vantagem – e quantas vezes acusamos, compramos a briga, denunciamos?

Foi também em uma rua de São Paulo que encontrei minha resposta. Em um muro, alguém escreveu esta frase: ”Um mundo por vez”. É isso. Não dá para eu resolver sozinha a questão da desigualdade social. Muito menos fazer isso e, ao mesmo tempo, lutar pela despoluição dos rios, a reforma no sistema de impostos e por penas mais duras para a violência contra a mulher – algumas das causas que eu apoio. E ainda trabalhar, ir à reunião de pais e fazer o jantar.

Mas um problema ainda maior do que esse é não fazer nada só porque podemos pouco. Até porque, a gente pode muito se começa a colocar as boas intenções não nas horas vagas, mas simplesmente naquilo que somos e fazemos todos os dias. A causa pode estar no nosso trabalho, escolhido para ajudar pessoas ou apenas sendo executado com competência e honestidade. Pode estar no lugar que ocupamos na família e na comunidade, sendo educados e solidários, gentis e responsáveis. Pode estar no estilo de vida que levamos, nas ideias que seguimos e defendemos, nas pequenas escolhas da rotina. A causa pode ser nosso legado – e ele não precisa ser a cura do câncer, mas, talvez, apenas criar filhos dignos, que crescerão dispostos a fazer o certo em qualquer situação.

E assim, vamos resolver tudo aquilo? Não, ainda não. Mas chegaremos lá. Um mundo por vez.

Fonte: https://www.facebook.com/revistasorria

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